Como apontamos desde o início, a luta de classes no Afeganistão estava de tal modo que o imperialismo, que invadiu o país em razão do 11 de setembro de 2001 para assaltá-lo e tomar suas riquezas naturais, confrontava-se com um movimento nacionalista, que buscava expulsá-los de lá. Esse movimento surgiu, primeiramente, contra o domínio da União Soviética e incentivado pelos próprios norte-americanos, todavia, posteriormente, voltou-se contra a intervenção estrangeira em seu país, por conta do caráter nacionalista de sua política.
A situação posta era que um grupo de ideologia extremamente atrasada, o Talibã, enfrentava um país colossal, o maior exército do mundo, o mais rico país de todo o globo, em aliança com a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte – conjunto de países imperialistas). O atraso da ideologia do Talibã, como nenhum marxista pode deixar de reconhecer, corresponde às condições matérias e econômicas da sociedade: o Afeganistão é um país devastado, destruído pela guerra. Diferentemente do que anseia a esquerda pequeno-burguesa, não teria como haver um movimento de libertação nacional que usasse pronome neutro, não falasse palavrão, não cuspisse no chão e seguisse todas as regras de etiqueta que essa esquerda quer impor.
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Ao contrário, os talibãs não poderiam pedir “por obséquio, senhor soldado americano, poderia deixar de bombardear nosso país?”, sequer poderia ter uma ideologia progressista, pois “ideias não caem do céu”, como ensinava o marxista italiano Antônio Labriola (em frase que inspirou o bolchevique Leon Trótski, inclusive). Essa frase significa que as ideologias têm relação direta com a realidade material da qual surgem. Nesse caso, num país extremamente atrasado do capitalismo, como o Afeganistão, não teria como a ideologia deixar de refletir a miséria econômica.
Nem por isso, poderíamos deixar de apoiar a libertação desse país do domínio imperialista. Até porque, a libertação do país é uma pré-condição, justamente, para que se possa avançar nas ideias – esse processo é correto, desde que não seja entendido de modo mecânico. Mas é justamente isso, uma das bases do marxismo, que a esquerda pequeno-burguesa não conseguiu entender. Assustam-se com a nossa comemoração da vitória do Talibã, da vitória dos oprimidos sobre os opressores.
É preciso entender que o papel que o indivíduo ou grupo social (nesse caso, o Talibã) cumpre como progressista ou reacionário independe de sua ideologia, mas refere-se apenas ao seu papel prático na luta de classes. E os talibãs cumprem um papel progressista, de avanço social. E, aliás, agora entra o tema do apoio popular que eles têm, outra coisa que a esquerda pequeno-burguesa, confusa e contraditória, até agora não tinha sido capaz de compreender.
Os EUA, uma verdadeira máquina de guerra, movimentaram, desde o início da guerra do Afeganistão, mais de um trilhão de dólares – de modo direto ou indireto. Como um grupo de um país atrasado, com poucos recursos à disposição, poderia resistir a tudo isso sem o apoio popular? Seria simplesmente impossível. Só o fato de o Talibã ter resistido à guerra por mais de 20 anos e, no final, tê-la ganho indica como contaram com o suporte do povo.
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Esse suporte é, aliás, natural, pois trata-se de um movimento dos oprimidos na luta pela sua libertação contra o seu maior inimigo: o imperialismo. O povo afegão o odeia com todas as forças, pois eles promoveram um verdadeiro massacre durante o período de ocupação. Os EUA bombardeavam qualquer reunião com mais de 4 pessoas! O que acabou gerando um massacre tremendo: até mesmo os casamentos eram bombardeados.
A situação da mulher sob a ocupação imperialista apenas piorou, a miséria, a fome e a destruição se alastraram. Todo o ódio que o povo tinha ao imperialismo converteu-se em apoio à causa dos Talibãs, que era a luta pela expulsão de seus inimigos. Todavia, para os jornalistas burgueses e para a esquerda lacaia destes, o povo era “oprimido” pelo Talibã – falta a esses senhores nos explicarem como, então, essa organização conseguiu sozinha combater um trilhão de investimento bélico.
Com o estabelecimento do novo governo afegão, sua legitimação perante o povo e seu fortalecimento, tornou-se difícil esconder o grande apoio que ostenta o Talibã. Os EUA, seguindo o relatório da CIA, que foi divulgado pelo Wikileaks há mais de uma década, tentam usar a questão da mulher para tentar manipular a “opinião pública” em seu favor – o que esses senhores, que oprimem a mulher em seu país, mas a “defendem” no Afeganistão esquecem de mencionar é que, justamente nesse país, eles tornaram infernais as condições de vida da mulher. Bom, isso pode dar certo no Brasil, mas, no Afeganistão, ninguém foi enganado com essa farsa imperialista-democrática.
O governo está sendo formado, não foi derrubado, o povo comemora a expulsão ianque. E, como num surto de derrotismo, a imprensa burguesa, capacho do imperialismo, foi obrigada a reconhecer a popularidade do governo afegão. Recentemente, saiu uma entrevista com os moradores do país questionando sobre o tema. Eles, a respeito da questão da mulher, enfatizam que nada mudou em relação ao que era antes, que a mulher não era nem um pouco livre sob o domínio estrangeiro. Ressaltam que veem como positiva a vitória do grupo fundamentalista religioso, por representar uma esperança de um futuro melhor.
Só o fato de a imprensa burguesa do Brasil ter sido obrigada a reconhecer isso indica como ficou impossível esconder o enorme o apoio recebido pelo grupo. A pequeno-burguesia, por seu caráter intermediário na economia, é incapaz de seguir uma política própria, como já demonstrou diversas vezes a experiência prática. Encontra-se obrigada a oscilar entre os dois campos fundamentais da luta de classes: a burguesia ou o proletariado. No Brasil, a pequeno-burguesia de esquerda, no momento, rasteja em direção às posições dos capitalistas.
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Isto é, agora, que mesmo a direita foi obrigada a reconhecer o apoio que possui o Talibã, por ter se tornado impossível mentir sobre a consolidação do governo, sobre o fato de ele estar lá, devidamente estabelecido e organizado, contra tudo e contra todos, contra a OTAN e o imperialismo, apenas com o apoio da população local, que deu tudo que podia para avançar na luta para tirar os ianques do Oriente Médio, agora sim a esquerda vacilante vê-se obrigada a reconhecer o fato impossível de se esconder sobre o Talibã: eles têm o apoio do povo.
O seu papel progressista na luta de classes é tão evidente que a sua vitória foi saudada pelo Estado operário de Cuba, na América Central; e pelo Hamas, que é uma outra organização do Oriente Médio de luta contra o imperialismo, no caso, uma organização que representa a luta da Palestina contra o Estado fantoche de Israel. A vitória do Talibã e sua consolidação evidencia que eles não são populares apenas no Afeganistão, mas sim nos povos oprimidos de todo o mundo. A vitória deles contra um exército trilionário levantou o ânimo de todas as organizações anti-imperialistas: se eles conseguiram, nós – sejamos no Oriente Médio ou de qualquer outra parte do globo – também conseguiremos varrer essas sanguessugas do nosso país.
O Partido da Causa Operária, desde o início, soube analisar a questão nacional e soube identificar o papel prático na luta de classes do Talibã. Essa análise de conjuntura é dever de todo marxista. Não podemos nos prender ao idealismo abstrato, mas devemos defender a intervenção prática contra o imperialismo. Pois, na realidade, uma ideia é científica na medida em que corresponda a realidade objetiva e seja capaz de influenciá-la e guiá-la – ensinava-nos Trótski. A análise de que o Talibã representa os oprimidos, de que se deve seguir seu exemplo e lutar contra o imperialismo é científica; a ideia abstrata que procura ver o mundo pela lente da ideologia, que acha um absurdo defender uma luta de libertação nacional anti-imperialista por ela não se adequar em seus padrões morais, isso não tem nada de científico, apenas de moralista, próprio da pequeno-burguesia e da burguesia sentimental.